Sindiserf-RS fez essa matéria especial sobre o SUS, pensada antes da pandemia chegar ao país e elaborada enquanto as primeiras medidas de prevenção eram tomadas. Acreditamos que é uma boa oportunidade para os brasileiros conhecerem e defenderem o SUS

O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem um sistema público de saúde e, apesar de todos os problemas e limitações, o Sistema Único de Saúde (SUS) é referência no mundo todo. Regulamentado pela Lei nº 8.080, em 1990, atende 80% da população brasileira e enfrenta uma política de sucateamento e desmonte nos últimos anos, principalmente após a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016), durante o governo de Michel Temer (MDB), que congelou investimentos em diversas áreas, inclusive na saúde. Os ataques ao SUS se intensificaram no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), com ameaças de privatizações e falta de políticas públicas.

A estimativa do Conselho Federal de Medicina é de que exista um médico para cada 470 pessoas. Há casos que a espera para atendimento com especialistas, ou a realização de exames, pode levar meses. Em muitos hospitais, é comum ver pacientes atendidos em corredores, longas filas e ainda, precárias condições de estrutura e higiene. Aliado a isso, muitos hospitais e centros de pesquisas estão ameaçados de encerrar suas atividades por conta da falta de investimentos e mão de obra.

Para a secretária de Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos Federais do RS (Sindiserf/RS), Rosemary Manozzo, o SUS é uma grande vitória da sociedade brasileira. “Ainda há muito o que consolidar, estamos muito longe do SUS que sonhamos, embora eu acredite que o possível foi feito”, declara.

Enquanto países como Canadá, França e Inglaterra dedicam aproximadamente 8% do Produto Interno Bruto (PIB) de gastos públicos em saúde, no Brasil esse valor não chega a 4%, segundo dados do Banco Mundial. “Se antes tínhamos um cenário de subfinanciamento, com a EC 95/2016 passamos a ter um cenário de desfinanciamento, ou seja, queda nos valores investidos pelo governo federal”, destaca a dirigente.

Outro aspecto salientado por ela, é que o atual ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem defendido publicamente que o orçamento da saúde é suficiente, falando sobre a necessidade de se otimizar os recursos “melhorando a gestão” do Ministério da Saúde. Em atividades ligadas ao setor privado, Mandetta tem indicado que não há problema nas instituições que queiram lucrar com a saúde e que a gestão pública tem muito a aprender com as instituições privadas no Brasil.

Sucateamento, desmonte e ameaças de privatizações
Este alinhamento de discurso revela o caráter privatista e de austeridade em que todo o Ministério da Saúde está vinculado, sem questionamentos ou posições de defesa do que o SUS deve ser: 100% público e universal”, afirma Rosemary. Para ela, o desmonte do Sistema é um processo de longo prazo, que se tornou mais intenso no governo Bolsonaro, “para além do SUS, o que ocorre no governo em vigência são políticas voltadas à precarização das condições de vida e saúde da população, ou seja, verdadeiras políticas para a morte”.

Dentro deste contexto, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) tem um papel estratégico na promoção da saúde pública e de potencialização do SUS. Fundada meses depois da regulamentação do mesmo, através do decreto nº 100/1991, foi resultado da fusão de vários segmentos da área de saúde, entre os quais a Fundação Serviços de Saúde Pública (Fsesp) e a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam). “Duas entidades de notável tradição e projeção internacional, orgulho do funcionalismo público brasileiro, que contam com uma bela folha de serviços construída em todo território nacional”, ressalta ela.

Rosemary, que é servidora da Funasa, conta que a instituição também tem sofrido com a conjuntura de ataques e desmonte. “Em 2019, a Fundação passou por um processo de reestruturação que incluía a devolução do prédio alugado onde atualmente funciona a sede do órgão, em Brasília. O plano seria retornar à antiga sede própria, além de revisar contratos em todas as áreas. A meta era economizar R$ 42 milhões”.

Além disso, a Funasa vem sofrendo um brutal desrespeito ao quadro funcional, já que não ocorrem concursos e as capacitações, segundo Rosemary, são direcionadas. Atualmente, a Fundação tem aproximadamente 2,4 mil servidores ativos e 11,7 mil inativos. “Vivemos um momento em nosso país no qual a atividade pública enfrenta diversos desafios que englobam esferas éticas, políticas, técnicas, entre outras”, lembra.

Um longo caminho
A concepção do SUS e, consequentemente da Funasa, representou a incorporação e a ampliação de acesso a milhões de brasileiros e a interiorização dos serviços de saúde. Desde a criação do Ministério da Saúde, em 1953, período que também aconteceram as primeiras conferências sobre saúde pública no Brasil, já era debatido a criação de um sistema único de saúde, que pudesse atender toda a população.

Nos anos da ditadura militar, a saúde sofreu inúmeros cortes orçamentários, tanto que em 1970, apenas 1% do orçamento da União era destinado para o setor.  Somente em 1986, a 8ª Conferência Nacional da Saúde elaborou um documento considerado um esboço para a criação do Sistema Nacional de Saúde e, após quatro anos, o SUS foi regulamentado.

“O SUS foi uma grande conquista da população brasileira, porém foi pensado em um momento de redemocratização do país, e acho que não estávamos preparados tecnicamente para trabalhá-lo em toda a sua plenitude”, pondera Rosemary. Para a ela, é fundamental defender os princípios do Sistema. “Acredito na retomada dos princípios originais do SUS e de uma defesa intransigente das questões que são postuladas, como acesso universal, uma atenção integral e humanizada e, acima de tudo, a participação social naquilo que chamamos de controle social do Sistema Único de Saúde”, afirma.

Rosemary também defende que a melhora do atendimento da saúde pública passa, inevitavelmente, pela valorização de quem presta este serviço. Neste sentido, o primeiro passo para o gestor público é compreender que valorizar o servidor é estratégico. “São os servidores públicos que mantêm o país de pé, mesmo diante da mais grave crise econômica, fiscal e política da história, nós continuamos fazendo entregas de serviços públicos à população. As carreiras de Estado seguem desempenhando suas atividades, que são essenciais para o funcionamento da máquina pública. Tudo isso com metade do número de servidores, em comparação com os outros países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e com o gasto com pessoal, em relação ao PIB, sendo reduzido ano a ano”, alerta.

Referência mundial
Ainda assim, o SUS é reconhecido como um dos maiores do mundo e usado como modelo em muitos outros países. Através dele, é oferecido gratuitamente o maior programa de vacinações e de transplantes de órgãos do mundo. O programa de distribuição de medicamentos contra a AIDS, oriundo do sistema, revolucionou o tratamento da doença nos cinco continentes. O resgate chamado para socorrer o acidentado nas estradas que cortam o Brasil é do SUS. E com a pandemia do Covid-19, o SUS destinou 2 mil leitos de UTI para tratar os pacientes infectados.

“De fato, o SUS avança, mas a passos ainda muito lentos. O SUS trouxe mais benefícios para a população brasileira na área da saúde do que jamais houve. Estamos no caminho certo, tendo cometido alguns erros. Eu posso dizer que não chegamos lá ainda, mas vamos chegar, porque o SUS é um compromisso da sociedade brasileira”, acredita Rosemary.

Por fim, a dirigente destaca que a proposta de Reforma Administrativa do governo, que deve ser enviada ao Congresso em breve, é mais um ataque ao SUS, pois é o desmonte o serviço público. “Não vamos aceitar reforma que demoniza os servidores e desrespeita o que foi construído no país. É através da valorização do servidor e de um serviço público de qualidade que faremos do Brasil uma nação soberana”, finaliza.

Escrito por Renata Machado (Sindiserf/RS)