Publicação de Medida Provisória na calada da noite mostra de que lado o governo está no combate à pandemia do coronavírus. Ação protege empregadores, situa o Brasil na contramão do mundo para superação da crise e deixa País entregue à própria sorte

Na noite de domingo, 22, foi publicada a Medida Provisória 927/2020, que dispõe sobre alterações trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública que o Brasil vivencia atualmente por conta da pandemia de coronavírus. De acordo com o texto assinado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até 4 meses, sem acordo ou convenção coletiva. A medida ainda suspende o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e não dá direito ao seguro-desemprego.

A Condsef/Fenadsef avalia a ação como proteção unicamente aos empresários, colocando a fatura da crise econômica agravada pela pandemia na conta dos trabalhadores, as principais vítimas da doença. Como Medida Provisória é um instrumento com força de lei, que produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional nos próximos 120 dias, o Secretário-geral da Confederação, Sérgio Ronaldo da Silva, pede ao Parlamento sensatez para rejeitar o texto do governo. “O Congresso, que teve tanta celeridade para aprovar corretamente o estado de calamidade pública que o Brasil enfrenta, deve ter a mesma rapidez para impedir os efeitos dessa MP”, reivindica Silva. Câmara e Senado podem devolver imediatamente a MP, sem levar a plenário, por inconstitucionalidade.

Enquanto o mundo inteiro se engaja para salvar a classe trabalhadora, adotando medidas de assistência nunca vistas antes na história mundial, o Brasil aproveita a crise para aplicar ações de retirada de direitos que vão levar País à situação de conflagração, segundo disse o economista Eduardo Gianetti ao jornal Folha de S. Paulo, na entrevista desta segunda-feira, 23. No primeiro dia após a publicação da medida, #BolsonaroGenocida, “Essa MP” e “FGTS” entraram para os trending topics do Twitter.

Para Sérgio Ronaldo, o Brasil não pode ser abandonado à deriva. “A responsabilidade do presidente é proteger sua população, não deixar as pessoas à própria sorte para que empresários bilionários mantenham suas riquezas. O que o Brasil precisa é da imediata revogação do Teto dos Gastos (EC 95), suspensão do pagamento de juros e amortizações da dívida pública, taxação de grandes fortunas e da implementação de políticas de assistência à classe trabalhadora, assim como vemos outros países fazendo”, reivindicou Silva. A previsão para 2020 é de que mais de R$ 1 trilhão de recursos públicos sejam desviados para o pagamento da dívida. Esse montante, e não os salários dos trabalhadores, deve ser sacrificado em prol da sobrevivência brasileira.

Contramão internacional
Em entrevista à CNN Brasil, candidatos à presidência da República nas eleições passadas criticaram as ações de austeridade adotadas por Bolsonaro e apresentaram caminhos possíveis para superação da crise de saúde pública que transborda para uma crise econômica como há tempos não era sentida no mundo. Guilherme Boulos, líder do maior movimento de luta por moradia do País (MTST) comentou que, na França, o presidente Emmanuel Macron concedeu anistia das contas de água, luz e gás, e defendeu que esta deveria ser aplicada no Brasil.

“Se o trabalhador está impedido de trabalhar, como é que vai pagar as contas? Daqui a pouco estão cortando água. O cara fica na condição precária de sobrevivência e ainda sem a condição básica de higiene para se proteger da pandemia”, criticou. Logo após a entrevista, o governo publicou a já chamada “MP do Confisco Salarial”. “É inacreditável. Inacreditável. MP de Bolsonaro deixa trabalhadores sem salário nos próximos 4 meses. Enquanto outros países estão proibindo demissões e garantindo salários, ele libera a suspensão dos contratos sem pagamento. Derrubar este canalha virou questão de sobrevivência!”, mobilizou o líder do MTST pelo Twitter.

Em artigo divulgado no Brasil pela Associação Paulista do Ministério Público, o Procurador da República de Portugal, Antônio Ventinhas ressaltou a necessidade de injeção de recursos públicos na sociedade para superação da crise. “O Banco Central Europeu anunciou um plano de estímulo financeiro no valor de 750.000 milhões de Euros e a Alemanha um pacote de incentivos no valor de cerca de 350.000 Milhões de Euros. A Espanha já avançou com um plano de 200.000 milhões de Euros e Portugal com um primeiro conjunto de medidas no valor de 9.000 milhões de Euros. Os outros países da Europa estão a preparar programas de amplo apoio às empresas e cidadãos, para relançar uma economia que tem de parar por força do vírus durante uns meses”, escreveu.

“Em momentos de crise pode existir a tentação de restringir direitos e salários de servidores públicos, mas, como bem sabemos por experiência própria em Portugal, tal não resolve a situação e só a agrava”, destacou. No Brasil, o governo atua justamente no caminho criticado por especialistas. Para Sérgio Ronaldo, agora é o momento de intensificar os barulháços contra o governo, para mostrar o descontentamento geral da nação. “É hora de bater panela, de apitar, bater tambor, gritar na janela todos os dias, contra as medidas que estão sendo implantadas aqui. O País corre sérios riscos de quebrar completamente. Estamos falando da ameaça de empobrecimento total, exceto para os detentores de grandes fortunas, que somam 1% da população”, conclama Sérgio Ronaldo.

Repúdios
Sobre a MP do Confisco Salarial, o Ministério Público do Trabalho divulgou nota afirmando que compreende as emergências do estado de calamidade, mas vê a ordem com extrema preocupação. Para o órgão, as medidas, em vez de manterem o fluxo econômico em mínimo andamento mesmo em meio à crise, “interrompem abruptamente a circulação de recursos e expõe uma gama enorme da população a risco iminente de falta de subsistência”. O MPT “também vê com preocupação a não participação das entidades sindicais na concepção de medidas e a permissão de que medidas gravosas sejam feitas sem a sua participação.”

No mesmo caminho, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) manifestou publicamente “seu veemente e absoluto repúdio” à Medida Provisória nº 927/2020. Segundo a entidade, o texto é inconstitucional. “A presente crise não pode, em absoluto, justificar a adoção de medidas frontalmente contrárias às garantias fundamentais e aos direitos dos trabalhadores. Impor a aceitação dessas previsões, sob o argumento de que ficarão todos desempregados, não é condizente com a magnitude que se espera do Estado brasileiro”, escreveu.

Fonte: Condsef/Fenadsef