Confira a história de Davi Pereira da Silva, 55 anos, servidor do Ministério da Saúde, que era estatutário, possuía uma remuneração bruta de mais de R$ 7 mil e, agora, após ação do FGTS, teve seu regime alterado para celetista, com salário de pouco mais de R$ 2.145.

A falta de informação aliada à teimosia pode gerar, muitas vezes, graves prejuízos. No caso de ações judiciais envolvendo servidores públicos – a depender da natureza da ação – o prejuízo pode ser incalculável. Infelizmente, este foi o caso do senhor Davi Pereira da Silva, de 55 anos. Servidor da Funasa e depois do Ministério da Saúde, ele ingressou no serviço público em 13 de abril de 1987, como empregado público.

“Ingressei como celetista. Depois no governo Collor, em 1990, conseguimos a vitória de passarmos ao regime jurídico único e, desde então, ter acesso aos benefícios da carreira estatutária”, disse.

Servidor do Ministério da Saúde cedido ao município de Goiânia, Davi recentemente foi convidado a entrar com ações judiciais para ter direito a receber valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) do período em que já era estatutário, e outra relacionada ao PIS/Pasep.

“Um colega, servidor como eu, que trabalha na UPA do Jardim Itaipu, me convidou a entrar com as ações. Disse que eu poderia ganhar uma bolada. Embora não fosse advogado com OAB, ele era formado em direito, e tinha um escritório com um sócio que assinava as ações”, relatou.

De acordo com Davi, ele advertiu o colega que queria receber valores referentes a ações judiciais, mas que não queria que fossem relacionadas ao período celetista ou ao PIS/Pasep. “Eu disse a ele: eu não quero que mexa com FGTS nem PIS/Pasep, pois estou perto de aposentar. Ele então me falou de duas ações: uma de R$ 9 mil, outra de R$ 30 mil, mas não especificou. Eu disse que as que fossem abaixo de 60 salários mínimos, tudo bem. Nós fomos conversando… eu inclusive cheguei a ir ao Pará conversar com mais colegas para falar sobre isso. Mas, em nenhum momento ele disse que iria entrar com essa do FGTS. Eu confiei nele, pois o conhecia há muito tempo, e assinei a procuração”, detalhou.

“Sendo pequena [a quantia] eu assino sim”
A partir do momento em que assinou a procuração, o amigo de Davi e seu sócio passaram a tomar conta de todo o processo. “Ele me informava que estava andando, que estava tudo bem. Eu sou leigo nessa área advocatícia. Assinei tudo na base da confiança. Um dia ele me falou: em dezembro de 2019 o governo te paga. Quando foi no mês de julho do ano passado, eu parei de ir ao trabalho por problemas de saúde e perdi o contato com ele. No entanto, ele tinha os meus contatos, do meu local de trabalho e dos colegas que me substituíram. Nesse meio tempo, eu já tinha pedido minha devolução para o Ministério da Saúde, pois eu estava de planos de ir para o Mato Grosso”, expôs.

A surpresa
No mês de outubro, o Ministério da Saúde contatou Davi para que ele se apresentasse e repassasse uma nova conta bancária. “Eles disseram que era ordem judicial, que eu deveria apresentar uma nova conta, para um dinheiro que seria depositado. A única coisa que a moça me informou foi: não vai ser bom pra você. Eu questionei dizendo que qualquer quantia de dinheiro que entrasse era bom. Ela respondeu: mas esse não vai ser… Daí eu assinei o papel que eles me apresentaram. Infelizmente, eu só fui entender o que ela quis dizer algum tempo depois…”, narrou.

Quando foi em novembro, Davi retornou ao Ministério e outra atendente o recebeu. “Eu recebi outubro normal. Informei a ela que estava de férias em dezembro e janeiro. Ela me respondeu que a de dezembro estava ok, mas a de janeiro não existia mais. Eu perguntei pra ela: como assim não tem mais? Eu já assinei com a minha chefe e pedi minha devolução para o Ministério, porque vou para outro estado. No dia 20 de dezembro eu tive que dar ciência em um documento de que eu havia passado de estatutário para celetista. Falei pra moça: isso não é verdade, eu não seria burro de pedir uma coisa dessas… vou perder 32 anos de trabalho, minhas gratificações, tudo? Eu não acreditei… Em 2 de janeiro, quando me apresentei na prefeitura, no meu último dia, fui sacar meu salário e não tinha nada na conta. Fui em vários bancos e, por fim, ao Ministério. Lá eles confirmaram que eu não estava mais de férias, que agora eu era celetista e que eu ainda estava devendo R$ 1.365,29 para o próximo pagamento… Eles disseram: nós ainda vamos ver como fazer com você, agora que se tornou celetista. Na hora eu fiquei desesperado”, testemunhou.

Davi ligou para seu colega bacharel em direito, marcando uma conversa. “Ele me disse: não, você perdeu a ação; nós não te achamos em lugar nenhum… Eu não quis esticar e disse que na próxima segunda-feira nós conversaríamos”.

“Eu fui armado, na intenção de fazer o mal”
Ao se encontrar com o colega, Davi se aborreceu um pouco porque sentiu que ele estava alterado. “Começamos a conversar e ele se alterou comigo, como se tivesse razão. Eu fui pra fazer o mal, mas orei muito a Deus. Deixei de lado a emoção e usei a razão, pois a situação poderia piorar muito. Eu pedi que ele me apresentasse o advogado, pois eu não o conhecia. Falei muita coisa, me senti traído, apunhalado. Ele me levou ao advogado, que me tratou também com alteração. Eu não tinha um centavo, para nada, e também não pedia a ninguém. Passei uma semana dormindo em maloca. No dia 6 de janeiro, o advogado me deu R$ 15, que foi o dinheiro que eu usei pra comer e voltar”, declarou.

“Você ganhou R$ 174 mil”
Segundo Davi, o advogado disse a ele que ele havia “ganho” R$ 174 mil – valor que a Funasa teria até 2021 para repassar. “Como é que eu ganhei? Perguntei a ele. Eu perdi tudo, todo o meu salário, que era mais de R$ 7 mil bruto, virou pouco mais de R$ 2.145. Eu fiquei sem salário no primeiro mês, devendo R$ 1.365,29… Como é que eu ganhei??? Eu perdi todas as gratificações que eu tinha, vou ser aposentado como celetista, não tenho mais estabilidade e nem dinheiro para pagar as duas pensões. Mesmo que algum dia eu vá pegar esses R$ 174 mil, que ganho é esse? Onde está a vantagem?”, desabafou.

Desde o ocorrido, Davi Pereira da Silva, como é filiado ao Sintsep-GO, tem recebido assistência jurídica da entidade, além de lanche e hospedagem na Casa de Apoio. Aos 55 anos, pai de cinco filhas e um filho, sua vida deu uma completa reviravolta, da qual ele não tem a menor ideia de como sair. “A decisão transitou em julgado. Eu cometi o erro imenso, gravíssimo, de me envolver com advogados particulares, de não consultar a entidade quanto a esse tipo de ação, mesmo sendo filiado ao sindicato. Um erro do qual eu me arrependo amargamente”, finalizou o filiado.

 

Quem avisa amigo é!

“Infelizmente não é pouco que nós avisamos. Tem muita gente entrando nesse barco e, como o próprio Davi contou, com sua experiência de vida, é um barco furado. Você, servidor, que é filiado ao sindicato, não caia na tentação de buscar ações judiciais com outros advogados que não são os da entidade. E, mais ainda, não caia na cilada de entrar com ações que nós não recomendamos”, reforça o presidente do Sintsep-GO, Ademar Rodrigues.

Uma nota técnica publicada pelo escritório Wagner Advogados Associados, responsável pela assessoria jurídica da Condsef/Fenadsef já alertava, em 2017, que o servidor, para pleitear o FGTS do período posterior a 1990, precisa abrir mão do regime estatutário. “É o que essas ações fazem: alegam que os servidores públicos ainda deveriam estar regidos pela CLT, como os trabalhadores da iniciativa privada, por não terem feito concurso público quando ingressaram no serviço público federal, e que sua transposição ao regime estatutário foi nula. E são esses os fundamentos que têm sido adotados pelos Juízes nos casos em que é reconhecido o direito ao FGTS no período. Portanto, ajuizar uma ação como essa significa renunciar às garantias do regime estatutário, as quais, especialmente em tempos de Reforma Trabalhista, são muito superiores às oferecidas pela CLT aos trabalhadores da iniciativa privada”, informa a nota.

 

Contracheque de outubro, ainda como estatutário.

 

Contracheque de janeiro, já como celetista.

Várias advertências
Embora o caso de Davi seja recente, várias foram as notas e matérias já publicadas pela Condsef/Fenadsef e entidades filiadas, advertindo os servidores quanto aos riscos de se entrar com ações dessa natureza. Confira: