Privatização da Vale mudou o seu perfil. O objetivo, como o de qualquer empresa privada, passou a ser o lucro dos acionistas, só que à qualquer custo, inclusive do meio ambiente e de vidas, como demonstraram as tragédias de Mariana e Brumadinho

A venda da Vale do Rio Doce está completando 22 anos e é tida como um dos maiores crimes cometidos contra o Brasil. No dia 6 de maio de 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso leiloou o que era, na época, a principal empresa estratégica brasileira por R$ 3,3 bilhões, quando apenas suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$ 100 bilhões. Algo semelhante ao que vem acontecendo com a Petrobras e pode acontecer com outras empresas públicas brasileiras.

Criada em 1942, a Vale foi controlada pelo governo durante 55 anos. Nesse período, não houve nenhum crime ambiental. Após a privatização, ela já foi multada 56 vezes pelo Ibama e Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais. Entre os 12 maiores crimes ambientais, estão o de Mariana, com 19 mortes, e o de Brumadinho, com mais de 750 vítimas, entre mortos, desaparecidos e feridos.

As pessoas que conheceram a Vale antes da privatização jamais poderiam imaginar, naquela época, que a reputação da empresa pudesse afundar na lama. A Vale do Rio Doce era uma empresa símbolo, que orgulhava os brasileiros. Era campeã em responsabilidade social e sua tecnologia era referência mundial. A companhia estava entre as locomotivas que faziam o Brasil avançar. Isso porque o minério de ferro é estratégico para o mundo moderno.

Com o leilão, que teve forte empenho de José Serra, na época ministro do Planejamento, a companhia passou a ser comandada pelo banco Bradesco, integrante do consórcio Valepar. O consórcio passou a ser detentor de 32 por cento das ações, enquanto os investidores estrangeiros passaram a somar 26,7% das ações totais da empresa. Como era esperado, a privatização da Vale mudou o seu perfil. O objetivo, como o de qualquer empresa privada, passou a ser o lucro dos acionistas. A responsabilidade social e com o meio ambiente passou a ser apenas um instrumento de marketing.

Para o Ministério Público do Trabalho (MPT), a tragédia de Brumadinho representa um dos mais graves eventos de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil, além de ser o pior ‘acidente’ de trabalho já registrado no país. O crime trabalhista superou o desabamento do pavilhão de exposições do Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, no ano de 1971, que resultou na morte de 69 trabalhadores. Insegura e sem estrutura de concreto, a barragem de Brumadinho foi construída apenas com terra sobre terra. Para ser ainda mais irresponsável, a Vale instalou o centro administrativo e um restaurante no centro da barragem. Quando se rompeu, matou uma quantidade enorme de trabalhadores da própria empresa e de empreiteiras.

O caso Mariana
Depois do rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o MPT investigou e apontou as irregularidades e deficiências nas medidas de prevenção e tentou um acordo administrativo com a Samarco, que hoje controla a Vale. As principais medidas, no entanto, não foram aceitas pela empresa. Até hoje, ninguém foi responsabilizado pela tragédia de Mariana, que deixou 19 mortos. A Samarco foi multada em R$ 610 milhões por órgãos ambientais. Desse valor, apenas R$ 41 milhões foram pagos.

Além de desastres ambientais, a Vale é acusada no processo do Massacre de Carajás, que resultou no assassinato de 19 sem terra. No processo, a empresa aparece como financiadora da operação, destinada a liberar a passagem de seus caminhões (as minas ficam a cerca de 90 quilômetros do local do crime), obstruída pelos manifestantes atacados pela polícia.

Reestatização
Promessas de desativação de barragens semelhantes às de Mariana e Brumadinho e de melhoria dos padrões de atuação da empresa, além das indenizações por mortes que não trazem os parentes de volta, não são solução. Podem ser descumpridas. Privada e controlada por acionistas, ávidos por lucros, provavelmente, a empresa voltará a se envolver em novos crimes. A única solução é uma mudança na estrutura e na sua concepção corporativa, o que somente irá ocorrer com sua reestatização.

“E o mesmo se dará com outras empresas públicas que forem privatizadas no Brasil. Os acionistas não terão nenhuma preocupação com o povo brasileiro. Visam o lucro, acima de tudo e de todos. Caso as privatizações sejam concretizadas, haverá aumento de preços de serviços para toda a população em áreas como as de energia, saúde e educação. Por isso precisamos nos unir e lutar contra as privatizações que estão em curso”, alertou o coordenador geral do Sindsep-PE, José Carlos de Oliveira.

“O Sintsep-GO defende a mesma postura não somente em relação à Vale, que é um patrimônio do povo brasileiro, mas em relação à todas as privatizações irresponsáveis e predatórias que tem ocorrido no país. Não há preocupação com a população, função social ou com a qualidade dos serviços; as empresas privatizadas só visam o lucro à qualquer preço. Por isso nosso empenho em lutar contra as privatizações e reverter aquelas que foram criminosas, como a da Vale do Rio Doce”, ressalta o presidente do Sintsep-GO, Ademar Rodrigues.

Sindsep-PE