.Por Antônio Augusto de Queiroz*

A criatividade dos governos nas três esferas (União, estados, Distrito Federal e municípios), em matéria de despesa com pessoal, para fugir do princípio da paridade e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), parece inesgotável. O governo federal, após as reformas previdenciárias e as reestruturações remuneratórias, tende a utilizar moderadamente essas manobras, pelo menos em relação aos servidores das chamadas carreiras de Estado.

A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, como regra, não têm cumprido o princípio constitucional (artigo 37, inciso X da Constituição) que garante revisão anual da remuneração dos servidores sem distinção de datas e índices, tendo optado pela reestruturação de cargos e carreiras, com tratamento diferenciado entre os servidores ativos e entre estes e os aposentados e pensionistas, sempre em prejuízo dos últimos.

A manobra consiste em criar gratificações (de permanência, de desempenho, de produtividade, de assiduidade etc), verba de representação, abonos ou bônus e prêmios em substituição ao reajuste linear. Com esse mecanismo, descaracteriza a revisão geral e, conseqüentemente, quebra o princípio da paridade, que é a garantia de extensão aos inativos e pensionistas de todos os direitos, reajuste e vantagens asseguradas aos servidores em atividade.

Estes incrementos salariais são divididos em dois grupos. Um que alcança os aposentados e pensionistas e outro que só beneficia os servidores em atividade. Os que beneficiam os aposentados e pensionistas, como regra, possuem dois percentuais, um resultado da avaliação individual e outro institucional, sendo estendido aos aposentados e pensionistas apenas a parcela institucional.

A fuga aos limites da LRF, em geral, é patrocinado por estados e municípios – já que a União gasta bem menos que o limite fixado para pessoal – e consiste na criação de despesa de natureza indenizatória, que não é caracterizada como gasto com pessoal, além do aumento do valor da ajuda de transporte ou vale alimentação, entre outros artifícios. Até a terceirização, que a LRF manda contabilizar como gasto de pessoal, alguns estados e municípios escamoteiam e advogam a tese de que a lei manda “contabilizar” e não “somar” como despesa de pessoal, portanto, ficando fora do limite.

Nos dois casos – fuga da paridade e fuga da LRF – os aposentados e pensionistas são prejudicados, quando não são completamente excluídos desses benefícios, criados para escamotear o comando constitucional. Na Assembléia Legislativa de Santa Cataria há registro, no caso do vale-alimentação, que também foi estendido aos aposentados. Nos demais níveis e esferas de governo, a burla é completa.

As carreiras de Estado da administração pública federal, temendo redução salarial e quebra da paridade, atuaram para que sua remuneração fosse fixada em parcela única, sob a forma de subsídio, conforme previsto no parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição. Inicialmente, optaram por essa modalidade de remuneração as carreias da magistratura, do Ministério Público, da Advocacia Pública e as polícias federal e rodoviária federal, abrindo espaço para outros servidores organizados em carreira, conforme faculta o parágrafo 8º do mesmo artigo 37, também reivindicasse essa modalidade de remuneração.

Assim, outras carreiras de Estado, igualmente preocupadas com o risco de redução salarial e da perda da paridade, reivindicaram e negociaram com o governo federal a fixação da remuneração sob a forma de subsídio, a ser editada em medida provisória, cuja publicação deve ocorrer nos primeiros dias de agosto. Entre essas carreiras estão o pessoal do Fisco (carreira de auditoria), do Ciclo de Gestão, do Banco Central, do Ipea, da Susep, CVM etc.

A reivindicação geral, após as reestruturas necessárias, especialmente nas esferas estaduais e municipais, deve ser no sentido de exigir o cumprimento do comando constitucional de revisão geral, que deve assegurar, no mínimo, a reposição das perdas inflacionárias do período, sob pena de congelamento da remuneração de todos os servidores, inclusive dos remunerados sob a forma de subsídio.

A tendência no governo federal, após as reestruturações em curso, é de um longo período sem reajustes, até porque houve escalonamento remuneratório para algumas carreiras até 2011. Para os servidores das carreiras de Estado, remunerados sob a forma de subsidio, pelo menos no que diz respeito a risco de redução salarial e perda de paridade, a situação é de relativa segurança. Já para os demais, além de continuarem vulneráveis à redução de remuneração, estarão sujeitos à quebra de paridade, especialmente se persistir a política de gratificações.

A situação dos servidores estaduais e municipais, cuja referência em matéria remuneratória costuma seguir o governo federal, não é das melhores, especialmente se se confirmar a tendência de um bom período sem atualização. Para aqueles, nas esferas sub-nacional, que não forem classificados como carreira de Estado, além dos riscos mencionados, há a ameaça de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12, que trata dos precatórios e institui o sistema de leilão com oferta de menor valor.

O cenário salarial para os servidores públicos, portanto, não será dos melhores, notadamente para os que não foram contemplados com ganhos reais neste ciclo de bonança no plano federal ou não tiverem assegurados em lei reajustes futuros. A pressão por contenção no gasto público, especialmente no período que antecede as eleições gerais, tende a aumentar e, em conseqüência, dificultar novas reestruturações com ganhos reais.

*Antônio Augusto de Queiroz é Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap