.

Por Max Costa*

Desde o início, a história estava mal contada. Um novo conflito agrário no interior do Pará, em que profissionais do jornalismo teriam sido usados como escudos humanos pelo MST e forma mantidos em cárcere privado pelo movimento, em uma propriedade rural, cujo dono dificilmente tinha seu nome revelado.

Quem conhecia e acompanhava um pouco da história desse conflito sabia que isso se tratava de uma farsa. A população, por sua vez, apesar de aceitar a criminalização do MST pela mídia e criticar a ação do movimento, via que a história estava mal contada.

As perguntas principais eram: como o cinegrafista, utilizado como escudo humano – considero aqui a expressão em seu real sentido e significados – teria conseguido filmar todas as imagens? Como aconteceu essa troca de tiros, se as imagens mostravam apenas os “capangas” de Daniel Dantas atirando?

Como as equipes de reportagem tiveram acesso à fazenda se a via principal estava bloqueada pelo MST? Por que o nome de Daniel Dantas dificilmente era citado como dono da fazenda e por que as matérias não faziam uma associação entre o proprietário da fazenda e suas rapinagens?

Para completar, o que não explicavam e escondiam da população: as equipes de reportagem foram para a fazenda a convite dos proprietários e com alguns custos bancados – inclusive teriam sido transportados em uma aeronave de Daniel Dantas – como se fossem fazer aquelas típicas matérias recomendadas, tão comum em revistas de turismo, decoração, moda e cia – isso sem falar em “Veja” e congêneres.

Além disso, por que a mídia considerava cárcere privado o bloqueio de uma via? E por que o bloqueio dessa via não foi impedimento para a entrada dos jornalistas e agora teria passado a ser para a saída dos mesmos?

Quer dizer então que, quando bloqueamos uma via em protesto, estamos colocando em cárcere privado, os milhares de transeuntes que teriam que passar pela mesma e que ficam horas nos engarrafamentos que causamos com nossos legítimos protestos?

Pois bem, as dúvidas eram muitas. Não apenas para quem tem contato com a militância social, mas para a população em geral, que embora alguns concordassem com as críticas da mídia ao MST, viam que a história estava mal contada. Agora, porém, essa história mal contada começa a ruir e a farsa começa a ser esclarecida.

Na tarde do dia 27, o repórter da TV Liberal, afiliada da TV Globo, Victor Haor, depôs para o delegado de polícia do interior do estado do Pará. Em seu depoimento, negou que os jornalistas tenham sido usados como escudo humano pelos sem-terra, bem como desmentiu a versão – propagada pela Liberal, Globo e cia. – que teriam ficado em cárcere privado.

Está de parabéns o repórter – um trabalhador que foi obrigado a cumprir uma pauta encomendada, mas que não aceitou mais compactuar com essa farsa. Talvez tenha lhe voltado à mente o horror presenciado pela repórter Marisa Romão, que em 1996 foi testemunha ocular do Massacre de Eldorado dos Carajás e não aceitou participar da farsa montada pelos latifundiários e por Almir Gabriel, vivendo desde então sob ameaças de morte.

A consciência deve ter pesado, ou o peso de um falso testemunho deva ter influenciado. O certo é que Haor não aceitou participar até o fim de uma pauta encomendada, tal qual os milhares de crimes que são encomendados no interior do Pará. Uma pauta que mostra a pistolagem eletrônica praticada por alguns veículos de comunicação e que temos o dever de denunciar.

*Secretário geral do PSol em Belém (PA)